
A partir do dia 31 de dezembro, os cerca de 2.000 encarcerados da penitenciária Nelson Hungria, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, deverão receber a alimentação por meio de quentinhas. Atualmente, a comida consumida no presídio é preparada no próprio local, por um grupo de dez a 15 detentos. A mudança gera receio com relação à segurança dos internos, dos funcionários e da comunidade ao redor. Além disso, conforme salientam especialistas, com a medida podem ocorrer o aumento do número de materiais ilícitos entrando na unidade, a perda de postos de trabalho e a piora da qualidade da comida.
“Imagina entrar (no presídio) com 2.000 refeições, duas vezes por dia, e submeter todas ao raio-X?”, questiona o juiz de Execuções Penais do município, Wagner Cavalieri. O magistrado chegou a encaminhar um ofício sobre o assunto para o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário (GMF) do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A assessoria da Corte informou que a questão está em análise.
Na última semana,O TEMPOmostrou que foi apreendido com um dos líderes do Primeiro Comando da Capital (PCC), Anderson Lopes Vieira, 41, um celular de cerca de 4 cm dentro da Nelson Hungria. O aparelho foi encontrado por policiais civis que cumpriam mandado de busca e apreensão contra Vieira, que comandava o tráfico de drogas dentro do presídio.
Além da segurança, Cavalieri se preocupa com a qualidade da comida. Para o juiz, o tempo gasto para que todas as marmitas passem pelo raio-X poderá significar perda de qualidade. “Não tem lógica (essa mudança). Temos uma cozinha bem montada lá dentro. Dependendo do tipo de comida, a qualidade será colocada em risco”, pondera.
Estopim
O presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), Fábio Piló, acrescenta que, quando a comida começa a chegar fria, a tendência é os presos se revoltarem. O defensor considera que a alimentação é uma das variáveis essenciais para que o Estado mantenha a “paz” dentro dos presídios.
“Comida é um ponto muito importante. Nem todos os presos têm dinheiro para ter um kit (levado pela família). Mesmo quando há, os alimentos acabam durante a semana”, diz. O advogado teme ainda que, para que a alimentação não seja transportada duas vezes, “a janta chegue junto com o almoço”.
Boato fala em 1 refeição por dia
Durante o último fim de semana, circulou nas redes sociais um boato de que os detentos do presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, na região metropolitana, estariam recebendo só uma refeição por dia. A informação, conforme a Secretaria de Estado de Administração Prisional (Seap), é falsa.
“Em todas as unidades prisionais do Estado são servidas diariamente quatro refeições: café, almoço, lanche e jantar”, explicou a pasta.
De acordo com a Seap, as refeições são preparadas nas cozinhas externas das empresas e transportadas para as unidades prisionais. A secretaria explica ainda que foi registrado no fim de semana somente um atraso de 15 minutos na entrega da comida na Penitenciária José Maria Alkimin, em Ribeirão das Neves.
Trabalho
A Seap afirma também que os presos que atuam na cozinha da Nelson Hungria serão contratados nas novas instalações da empresa Eldorado – que possui contrato de fornecimento de alimentação com a unidade prisional. A cada três dias trabalhados, um é remido da pena.
Sobre a influência da entrega das marmitas na segurança, a secretaria não se posicionou.
Empresa se defende sobre atraso de alimentação
A empresa Stillus Alimentação Ltda. é responsável pelo fornecimento de refeições em 38 unidades prisionais do Estado, incluindo o presídio José Maria Alkimin, onde houve um atraso de 15 minutos na entrega de marmitas, segundo a Secretaria de Administração Prisional (Seap). A Stillus, que assumiu o fornecimento de refeições no local no sábado, informou que, tendo em vista a qualidade da alimentação e a segurança, pediu a permissão da pasta para usar a cozinha da unidade ou a concessão de 60 dias para providenciar um espaço perto da cadeia. Mas, conforme a Stillus, a Seap não se pronunciou.
A empresa disse ainda que é responsável pela entrega das refeições no primeiro pavilhão. Depois, o caminhão transita por mais 10 km: “Após a entrega, a responsabilidade pela demora na distribuição é da Seap”.
Fugas
Número. Desde dezembro de 2017, 31 detentos fugiram da Nelson Hungria. Do total, 18 foram recapturados. Em Minas, há 72 mil presos para 40.907 vagas.
Mini entrevista
Ludmila Ribeiro
Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública
A senhora considera que a entrega de quentinhas pode causar insatisfação entre os presos?
Com toda certeza. Quando a comida chega fria, temos todas as questões de incêndios que podem ser provocados quando os presos querem esquentar essa comida, principalmente no inverno. Temos que lembrar que estamos chegando perto do verão e que, na Nelson Hungria, é puro concreto, o que pode azedar a comida. Além disso, há lixo espalhado, e pode haver ratos e infecções.
A segurança pode ficar prejudicada?
Fica mais fácil entrar com celular e arma. São 12 pavilhões (Nelson Hungria) e, no mínimo, 6.000 refeições por dia, se pensarmos em café da manhã, almoço e jantar.