
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) denunciou nesta terça-feira (18) os três policiais mineiros e os outros quatro envolvidos no tiroteio com os policiais de São Paulo em Juiz de Fora, pelos crimes de latrocínio consumado, organização criminosa, lavagem de dinheiro e fraude processual.
O G1 e o MGTV estão solicitando posicionamento das defesas dos envolvidos.
A denúncia contém nove páginas, arrola 17 testemunhas e foi assinada pelos promotores Flávio Barra Rocha e Cleverson Raymundo Sbarzi Guedes, de Juiz de Fora e pelo promotor Luiz Felipe Miranda Cheib, do Grupo Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP.
O MGTV e o G1 ainda não tiveram acesso à denúncia oferecida pelo Ministério Público contra os policiais e os executivos de São Paulo. O caso vai ser distribuído para uma das quatro varas criminais de Juiz de Fora.
No dia 19 de outubro, um tiroteio entre policiais de Minas Gerais e de São Paulo no estacionamento de um hospital de Juiz de Fora deixou o policial Rodrigo Francisco, de 37 anos, morto; dias depois, o empresário paulista Jerônimo da Silva Leal Júnior, de 42 anos, também faleceu em decorrência de ferimentos na troca de tiros.
Os policiais de Minas seguem presos na Casa de Custódia da Polícia Civil em Belo Horizonte. Os policiais paulistas foram libertados após serem beneficiados por um habeas corpus do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Golpe planejado com antecedência
De acordo com os promotores, Marcelo Matola de Resende, Rafael Ramos dos Santos e Leonardo Soares Siqueira, policiais mineiros, se organizaram, desde o início de outubro, com empresário Antônio Vilela e os comparsas Sérgio Paulo Marques Guerra, Nivaldo Fialho da Cunha e o advogado Jorge Ponciano.
Sérgio Paulo Marques Guerra e Nivaldo Fialho da Cunha e o advogado Jorge Ponciano, estão foragidos com mandado de prisão em aberto.
Cada um tinha tarefas definidas para roubar o valor que estava com o empresário Jerônimo da Silva Leal Júnior, que realizava escolta particular dos empresários paulistas Flávio Guimarães, Mário Garcia Júnior e Roberto Uyvari Júnior. O MP disse que o policial Rodrigo Francisco atirou contra Jerônimo.
De acordo com a denúncia, consta no inquérito policial que os envolvidos, juntamente com Rodrigo Francisco, tentaram lavar R$ 56 mil em espécie proveniente de infrações praticadas anteriormente pelo grupo.
O grupo usou o ardil de misturar notas falsas com notas originais para totalizar o montante de R$ 14.673.300 que seriam repassadas às vítimas, “não se consumando o delito por circunstâncias alheias à vontade dos denunciados, consistente na atuação preventiva da escolta armada que conferiu a originalidade das notas e descobriu o golpe”.

Conforme a apuração que serviu de base à denúncia, a negociação começou meses antes. Um corretor do estado de São Paulo indicou para as vítimas que estavam buscando crédito, os nomes de Antônio e Sérgio, que se passaram por empresários com alto poder aquisitivo, prometendo a realização de negócio econômico extremamente vantajoso.
Segundo a denúncia, após diversos contatos telefônicos, Flávio e Mário estiveram em Juiz de Fora, sem escolta, cerca de dois meses antes dos fatos. Eles se encontraram em uma churrascaria com Antônio e Sérgio para acertarem as bases do negócio milionário que previa troca de valores (dólares por reais) em taxas favoráveis.
Com a aproximação da data do encontro, os denunciados Nivaldo e Marcelo Matolla trouxeram para Juiz de Fora no começo de outubro o carro com placas de Goiânia (GO) onde foi encontrado o dinheiro falsificado.
E dias antes, ainda conforme a denúncia, Antônio, Sérgio, Jorge Ponciano e Rafael se reuniram em um apartamento alugado por Antônio no Bairro Paineiras para acertar os detalhes da emboscada que prepararam para os empresários paulistas.
Para MP, emboscada para roubo levou à tiroteio
No dia do crime, 19 de outubro, os denunciados Antônio, Jorge Ponciano e Rafael deixaram a casa de Antônio no carro com placas de Goiânia. Jorge dirigia o carro em direção ao hotel onde encontraram os empresários paulistas para acertar os detalhes finais da negociação.
Enquanto isso, Marcelo Matolla estava em outro veículo, do lado de fora, realizando vigilância dos demais denunciados e do grupo de São Paulo para determinar o melhor momento do roubo. Isso chamou a atenção da escolta que acompanhava os empresários, que tiraram foto do veículo, também sendo flagrado pelas câmeras de segurança do shopping ao lado do hotel.
Segundo o MP, os denunciados Antônio e Sérgio desconfiaram do forte esquema de segurança dos empresários, formado pelos nove policiais civis que realizavam irregularmente escolta particular, e mais um segurança privado. Antônio e Sérgio suspenderam as negociações sob o pretexto de que precisavam conferir o valor que tinham disponível para o empréstimo, saindo do hotel e afirmando que voltariam em 40 minutos.
Uma hora e meia depois, sem informações de Antônio e Sérgio, os empresários paulistas acharam que o negócio não iria mais se concretizar, decidiram ir embora e dispensaram a escolta que rumou para o aeroporto.
Ao perceber que a escolta dos paulistas havia deixado o hotel, Sérgio retornou e convidou os empresários para verem o dinheiro em espécie, atraindo Flávio, Jerônimo e o delegado Rodrigo Castro Salgado da Costa. Todos se dirigiram para o estacionamento do hospital.
Os demais denunciados se prepararam para organizar a abordagem ilícita e a subtração dos valores em moeda estrangeira que trouxeram para a negociação.
As imagens do circuito interno do estacionamento mostraram como Jorge e Nivaldo posicionaram os carros no local, inclusive realizando manobras para evitar as câmeras de vigilância.
O grupo de São Paulo, conduzido por Sérgio, foi para uma cafeteria e em seguida ao estacionamento até o ponto onde estava o carro com placas de Goiânia. Antônio abriu o porta-malas e apresentou seis malas cheias de notas de R$ 100, abrindo um dos pacotes e atestando a originalidade. Conforme o texto, o “momento em que Flávio disse ‘Vamos realizar o negócio‘ e saiu caminhando, permanecendo no local apenas a escolta comporta por Jerônimo e o delegado Rodrigo”.
A partir deste ponto, a denúncia descreve como foi a abordagem visando roubar a quantia que estivesse com o grupo de São Paulo, o que levou ao tiroteio no estacionamento.
“Jerônimo desconfiou da originalidade das notas, abordou Antônio e o levou para a lateral do estacionamento, onde era mais claro, quando chegaram correndo Rodrigo Francisco e o denunciado Rafael, de arma em punho e gritando ‘perdeu, perdeu‘ (gíria tipicamente utilizada por assaltantes), sem fazer qualquer alusão à condição de policial civil, recebendo Rodrigo Francisco diversos disparos de arma de fogo de Jerônimo, que revidou a injusta agressão. Ao mesmo passo, Rodrigo também proferiu diversos disparos em face de Jerônimo, vindo Rodrigo Francisco a falecer no local e Jerônimo dias depois no hospital em decorrência da violência praticada por Rodrigo Francisco, almejando o objetivo de subtração da organização”, diz a denúncia.
A troca de tiros também feriu Antônio Vilela, atingido por um disparo de arma de fogo no pé e socorrido ao hospital particular.
Antes dos fatos, Rodrigo Francisco juntamente com Rafael, Marcelo Matolla e Leonardo se valeram da condição de policial e abordaram na entrada do estacionamento os policiais civis de São Paulo Caio Augusto Freitas Ferreira de Lira, Bruno Martins Magalhães Alves, Leandro Korey Kaetsu e Jorge Alexandre Barbosa de Miranda.
Eles realizavam o serviço irregular de escolta dos empresários e haviam retornado do aeroporto para o local por causa de uma mensagem enviada através do aplicativo Whatsapp pelo delegado Rodrigo.
Na abordagem, os policiais civis de São Paulo foram desarmados e tiveram os pertences recolhidos, inclusive R$ 1.5 mil que estavam com o policial Jorge Miranda. Desta forma, eles impediram que chegassem até os demais integrantes, o que permitiu que os denunciados Rafael e Rodrigo Francisco realizassem a abordagem ilícita.
Após a troca de tiros, Sérgio saiu do estacionamento vindo diretamente do local dos disparos, passando sem ser detido por Rafael, Leonardo e Marcelo Matolla, já que eram integrantes da mesma negociação criminosa, diz a denúncia. Mesmo diante da insistência do grupo de São Paulo para que ele fosse abordado e preso, porque o haviam reconhecido como participante da negociação ocorrida anteriormente no hotel.
Desta forma, mais adiante na Avenida Itamar Franco, Sérgio e Nivaldo se encontraram e fugiram “caminhando calmamente, não tendo sido localizados até a presente data, mesmo expedidos mandados de prisão preventiva”.
Celulares de policiais mineiros sumiram
Rafael, Marcelo Matolla e Leonardo também foram denunciados por fraude processual. Segundo a denúncia, eles “inovaram artificiosamente o estado da coisa, na pendência do processo administrativo destinado a produzir efeito em processo penal ainda não iniciado, ao retirarem da cena do crime o aparelho de telefone celular que era utilizado por Rodrigo Francisco, com o fim de induzir a erro este Juízo, ante a relevante quantidade de informações existente no aludido aparelho, que certamente comprometeriam ainda mais os denunciados”.
No texto diz, ainda, que “os aparelhos telefônicos utilizados pelos denunciados Rafael, Leonardo e Marcelo Matola nos dias que antecederam e no dia do evento criminoso foram por eles inutilizados e descartados, não tendo sido entregues à autoridade policial”.
A denúncia também esclarece que no dia do crime, os policiais civis Leonardo e Rodrigo Francisco trabalharam no período da manhã na banca examinadora do Departamento de Trânsito (Detran-MG) e deveriam ter se apresentado às 14h na inspetoria geral, o que não cumpriram. O policial civil Marcelo Matolla, que era da escala do plantão regional, e o escrivão Rafael estavam também de folga.
Além de serem todos lotados em unidades policiais distintas, os denunciados não comunicaram qualquer atividade suspeita aos superiores hierárquicos, já que estavam a cargo das tarefas exercidas pela organização criminosa. Eles justificaram a presença no local alegando que Rodrigo Francisco recebeu uma denúncia por telefone, no aparelho que foi retirado do local do crime.