A discussão é antiga. A vida imita a arte ou acontece o contrário? A pergunta é pertinente especialmente no atual momento do Brasil. Houve uma clara tentativa de golpe de estado entre a realização do segundo turno da eleição presidencial e o oito de janeiro, passando pelo pesado quebra-quebra ocorrido no dia da diplomação de Lula e Alckmin no Tribunal Superior Eleitoral. Um golpe de estado foi previsto em detalhes e mal executado por seus líderes.
Na República Dominicana, em 1961, ocorreu um golpe de estado para tirar do poder o ditador Rafael Trujillo, um tirano que infernizou o país por três décadas e tinha todos os maneirismos do clássico ditador latino-americano. Um grupo de esquerda se preparou para o golpe, o governo de Washington temendo o surgimento de novo país comunista na região, no estilo de Cuba, mandou seus navios cercar a ilha e, se necessário, invadir. O ditador tinha dia e hora marcado para visitar a amante. Quando retornava da visita semanal, ele foi alvejado por mais de sessenta tiros. Morreu o motorista, o benefactor ficou gravemente ferido e os militares quase tomaram o poder. É o retrato de um golpe que deu errado.
A história é maravilhosamente contada por Mário Vargas Llosa, no livro “A Festa do Bode”, bode era o apelido do ditador que cultivava um ridículo cavanhaque. O revolucionário que deveria matar o homem forte do país se escondeu atras de uma pedra no meio do caminho, onde recebeu a visita de sua amada, uma fogosa morena dominicana, que contribuiu para a revolução com uma garrafa de rum e dengosas declarações de amor. Depois dos goles, dos afagos, dos amassos, o atirador desfechou aquela saraivada de tiros, sem direção certa. Atirou errado e matou errado. Trujillo não morreu no momento. O desastrado golpe tirou o ditador do poder, impediu a ascensão dos militares e o governo caiu no colo de um tranquilo advogado, chamado Juan Bosch.
No Brasil de 2022, os defensores do golpe de estado se reuniram ostensivamente na frente do quartel general do Exército. Não foram incomodados. Os militares proibiram a polícia de entrar no local e fazer prisões. Nas vésperas do dia 8 de janeiro chegaram a Brasília mais de 150 ônibus carregando opositores. A Polícia Rodoviária não viu nada. A maioria foi para frente do quartel. No domingo, caminharam por cerca de oito quilômetros protegidos pela Polícia Militar. Na praça dos Três Poderes os policiais olharam para o outro lado. O Batalhão de Guardas Presidencial não apareceu. O Exército não mandou soldados. As outras forças militares não se mexeram. Os serviços de informação não informaram. As portas do Palácio do Planalto foram abertas por dentro.
Estava tudo resolvido. Na tarde daquele domingo, alguém deveria se declarar o novo dono do poder no Brasil. Os prédios dos três poderes estavam invadidos. Não seria difícil chegar ao Alvorada. Faltou coragem ao líder para se declarar chefe da revolução que iria tirar o Brasil do caminho do comunismo. O depoimento do senador Marcos do Val (Podemos-ES) acrescenta detalhes. Na presença do presidente da República ele foi convidado a gravar conversa com o Ministro Alexandre de Moraes de maneira a incriminar o operoso presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Anderson Torres, secretário de segurança do DF e ex-Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, viajou para os Estados Unidos onde o ex-presidente já estava homiziado. Os manifestantes encontraram todos as portas abertas e os homens responsáveis pela segurança longe do país. O pretexto jurídico para o golpe de estado seria a suposta parcialidade do Ministro Alexandre de Moraes. O tumulto justificaria a decretação da Garantia da Lei e da Ordem, chefiada por militares, que iriam cancelar a eleição e declarar um governo provisório chefiado por algum fardado. Não seria difícil empurrar Bolsonaro para a alguma missão secundária e um estrelado sentar-se na cadeira presidencial.
Deu tudo errado. Os golpistas estão sendo revelados, um após outro. O pessoal que viveu por mais de trinta dias na frente do quartel general do Exército está depositado no presídio da Papuda. Na eleição de 2018, foram eleitos para os parlamentos estaduais e o federal 73 militares, incluindo policiais e bombeiros, quatro vezes mais que a eleição de 2014. O pessoal fardado quer entrar na política. Falta, neste momento, um escritor com talento para transformar em romance policial, com boas tramas paralelas de amor e traição, essa trágica e ridícula novela política brasileira, que incluiu patriotas convictos, ajoelhados na oração diante de um pneu de trator, perto de um perplexo vendedor de cachorro-quente, que só pretendia faturar uns trocados dos fanáticos.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@com.br)
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