Quando chegou ao poder, em 2003, Recep Tayyip Erdogan foi recebido com enorme expectativa pelas democracias ocidentais. Os Estados Unidos e a Europa viviam ainda sob as ondas de choque do 11 de Setembro. A preocupação dos líderes ocidentais com o fundamentalismo islâmico, que se alastrava pelo Grande Médio Oriente, era encontrar uma forma de provar que o islão não tinha de ser incompatível com a democracia. Erdogan parecia o homem certo no lugar certo. Apresentava-se como um líder islamista moderado, prometia respeitar o secularismo turco, instaurado pelo fundador da Turquia moderna – Kemal Ataturk. Reafirmara, além disso, o seu compromisso com o caminho da Turquia em direcção à União Europeia e a sua ligação ao Ocidente.
Foi recebido com palmas em Bruxelas e em Washington, que acreditaram que o novo primeiro-ministro poderia contribuir para o fortalecimento da democracia turca, pondo fim a décadas de instabilidade política, marcada pela “vigilância” dos militares sobre os governos – quatro golpes em 35 anos.
Vinte anos depois, Erdogan lidera uma Turquia radicalmente diferente. A democracia foi-se esvaindo nos sucessivos atropelos à liberdade de imprensa, à independência dos tribunais e à legitimidade dos partidos da oposição. Erdogan transformou-se num autocrata megalómano. Mandou construir em Ancara um novo Palácio Presidencial maior do que Versalhes. A política externa de Ancara distanciou-se do Ocidente. O objectivo passou a ser a hegemonia regional e a afirmação da Turquia como um actor internacional incontornável.
Depois de uma primeira fase em que a política externa se autodefinia por “zero problemas com os vizinhos”, Ancara passou a exercer o seu músculo militar, intervindo na guerra da Síria, lançando uma ofensiva contra os curdos do Iraque ou apoiando militarmente o Azerbaijão no conflito com a Arménia. A boa vizinhança deu lugar a crescentes tensões regionais com o Egipto, Israel ou a Arábia Saudita.
Hoje, Erdogan transformou-se num problema para a própria NATO, mantendo o veto ao seu alargamento à Suécia, depois de o retirar à Finlândia. Acusa Estocolmo de proteger terroristas curdos. Condenou a invasão russa da Ucrânia, mas manteve boas relações com Vladimir Putin. Recusa-se a aplicar sanções a Moscovo, mas envia discretamente algum armamento para Kiev. Tentou elevar-se ao estatuto de negociador da paz, até agora sem sucesso. Joga um jogo duplo, com o objectivo de valorizar o estatuto internacional da Turquia. A fragilidade da sua governação ficou patente com o terrívelterremotoque atingiu o país em Fevereiro deste ano – 50 mil vítimas mortais e milhões de deslocados.
Luta agora pela sobrevivência política. Se perder, o que fará? Os autocratas não costumam reconhecer os resultados das urnas que não lhes são favoráveis.
Estas eleições transcendem largamente as fronteiras da Turquia. Podem ser a prova, escreve a Economist, de que é possível derrotar um líder autoritário mesmo quando não estão reunidas as condições mínimas para eleições livres e justas. São, diz a revista britânica, “as eleições mais importantes de 2023”.
(Trechos de artigo do PÚBLICO – https://www.publico.pt/2023/05/13/mundo/analise/esperanca-ocidente-homemforte-megalomano-2049553)
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