Presos do DF dizem ter ficado até 19 horas sem comer, aponta relatório

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Levantamento do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura – órgão autônomo vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania – mostra que presos no Distrito Federal seriam submetidos a jejum forçado. Segundo o Relatório de Inspeções realizadas no Distrito Federal (Centro de Detenção Provisória II e Penitenciária Feminina), as detentas da Colmeia chegam a ficar até 19 horas sem comer.

“Não é servido desjejum/café da manhã na unidade, pois essa alimentação referente ao ‘café da manhã’ é servida junto com a janta do dia anterior, aproximadamente às 16h30 da tarde, impondo às custodiadas um jejum diário de 19 horas”, diz o relatório.

O levantamento ainda apresenta que o arroz é fornecido recorrentemente sem estar cozido e que haveria dificuldades de ingeri-lo. “Foi destacado que a carne não é fornecida com o cozimento adequado. Ademais, recebemos vários relatos de que as marmitas têm vindo ‘azedas’, ‘com pedras e bichos’, e que o achocolatado, por vezes, vem estragado”, consta no documento.

Leia o relatório neste link. 

“É de se questionar a qualidade da comida quando as pessoas relatam fome e descartam o alimento”, analisa a doutora em direito pela Universidade de Brasília (UnB) Carolina Barreto Lemos. Ela é membro do órgão do governo federal que elaborou o relatório. De acordo com a especialista, os presos da Papuda também passam longas horas sem alimentação.

“Das 16h até o dia seguinte, não é entregue mais nada. Tem um jejum forçado de mais de 12 horas”, denunciou a especialista.

Para Carolina, a fome é uma forma de punição, um método de tortura, já que a pena é a privação da liberdade. Além do levantamento específico do DF divulgado neste ano, a pesquisadora foi uma das que elaborou o Relatório Anual 2022, divulgado na última quarta-feira (16/8), com o cenário nacional de instituições que privam  à liberdade. No documento, ressalta que o Brasil tem a  terceira maior população prisional do mundo, sobrevivendo à superlotação, sem livre acesso à água potável, alimentação restrita e de má qualidade.

Leia o Relatório Anual 2022

O documento ainda pede a elaboração de uma Política Nacional de Combate à Insegurança Alimentar e de Acesso à Água em Estabelecimentos Penais.

“Sabor ruim”

A situação da Papuda também chama a atenção do legislativo local. Em julho, a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), inspecionou o complexo penitenciário da Papuda. Em relatório, o documento destaca que a principal reclamação está relacionada à alimentação.

“Os presos reclamam da qualidade da comida, afirmando que a comida é malfeita, tem sabor ruim, por vezes vem estragada e em pouca quantidade”, consta no documento. “Também reclamam que a última refeição é entregue muito cedo, por volta de 4h da tarde. Então, alguns presos ficam sem comer por muito tempo entre a ceia e o café da manhã”, detalha o relatório da CLDF.

Manifestação 

Para chamar a atenção do problema, parentes dos presidiários estão organizando uma manifestação em frente ao Congresso Nacional na próxima terça-feira (22/8), às 8h. “Nós estamos gritando por socorro”, disse uma das mães.

Os familiares têm denunciado as condições que seus parentes vivem. O Metrópoles teve acesso a registros de denúncias feitas. “É de partir o coração, me seguro para não chorar na frente dele. Muito magro, muito sofrimento”, disse a mãe de um preso.

“Me sinto muito triste e impossibilitada de fazer algo para ajudá-lo. Ontem mesmo saí com o coração partido e chorei muito em vê-lo naquela situação”, contou a esposa de outro detento. “Ao mesmo tempo, tem um sentimento de revolta porque ele já está lá cumprido a pena dele, pagando pelos erros. É direito ter ao menos uma alimentação digna”, completou.

manifestação

Familiares de presos organizam manifestação

Bichos na comida

“Você vê esqueletos ambulantes brigando por um pão velho”. Esse é o relato de uma das pessoas presas no Complexo Penitenciário da Papuda. O depoimento dado a uma advogada denuncia uma realidade de fome. Familiares e especialistas destacam que a falta e má-qualidade da alimentação em presídio do Distrito Federal têm sido usadas como um meio para torturar os presos.

Caramujos encontrados entre o chuchu, barata colada na parte de dentro da tampa marmita e “boró” – um tipo de larva – misturado no arroz, carne crua, pelanca, até mistura de plástico. Não há talher e os detentos devem comer com as mãos. Os detalhes são de depoimentos de detentos e ex-presidiários, ao qual o Metrópoles teve acesso. Por medo de represálias, as pessoas preferiram não se identificar.

trecho de carta em que preso comenta sobre caramujo no chuchu e jejum

“Nesse dia do bicho eu desmaiei”, contou uma pessoa que ficou presa por dois anos por um crime que não cometeu. Em junho de 2022, o jovem de 28 anos foi absolvido, ou seja, foi considerado inocente pela Justiça. “Os guardinhas falaram que era só lavar a boca, mas não consegui comer”, continuou.

“Cabelo e unha é normal até”. Fora da cadeia por um crime que foi inocentado, o rapaz agora cursa direito e inclusive trabalha no Tribunal de Justiça do Distrito Federal. “Eu quero estudar para me formar nessa área e ajudar, para dar esse apoio que eu não tive”, destaca.

O que a Administração Penitenciária diz:

A Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape) informou que os contratos de alimentação das refeições servidas nas unidades prisionais são objeto de extrema diligência por parte dos gestores. A pasta reforçou que o fornecimento de uma alimentação de boa qualidade é um dos aspectos contratuais a serem seguidos pelas empresas contratadas.

“Cada unidade prisional realiza relatórios três vezes por semana sobre as condições gerais dos alimentos disponibilizados pela empresa contratada. São observados temperatura, armazenagem, gramatura item a item e se o cardápio contratado está sendo respeitado”, informou a pasta em nota. A secretaria acrescentou que há executores que acompanham semanalmente, junto às nutricionistas das empresas contratadas, a gramatura, temperatura, qualidade e armazenagem dos itens disponibilizados para alimentação dos reeducandos”.

Segundo a Seape são oferecidas quatro refeições diariamente, seguindo as especificações abaixo:

– Café da manhã: pão com manteiga ou margarina e um achocolatado.
– Almoço: 650 gramas, sendo 150g de proteína, 150g de guarnição, 150g Feijão (90g de grão e 60g de caldo) e 200g de arroz. Os custodiados ainda recebem um suco de caixinha.
– Jantar: 650 gramas, sendo 150g de proteína, 150g de guarnição, 150g Feijão (90g de grão e 60g de caldo) e 200g de arroz.
– Ceia: sanduíche e uma fruta.