São Paulo – O juiz Octavio Santos Antunes, da Vara de Cafelândia, absolveu dois homens que foram denunciados pelo crime de perseguição por criarem uma “lista de boicote” a comerciantes da cidade do interior paulista que não votaram no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2022.
Davoine Francisco Colpani e Edson Parra Nani Filho foram denunciados em abril pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP) por suposto envolvimento na criação da lista com nomes de sete comerciantes de Cafelândia que deveriam ser “banidos” porque apoiavam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
De acordo com o MPSP, os acusados faziam parte de um grupo de WhatsApp com cerca de 300 pessoas que seria usado para atacar indivíduos apontados como “esquerdopatas” e “traidores” por não apoiarem Bolsonaro. Uma das vítimas relatou que, após a relação ser divulgada, uma bomba foi jogada em frente ao seu comércio.
Na sentença, o juiz afirma que os fatos, “ainda que venham a ser provados verdadeiros, não caracterizariam o crime imputado aos acusados”. Segundo o magistrado, “o núcleo ‘perseguir’ exige para a configuração do delito que o agente tenha comportamentos repetitivos de importunação, ou seja, que vá ao encalço da vítima de forma física ou virtual, com insistência e obstinação, de modo a causar-lhe dano ao bem-estar físico ou psíquico”.
“Evidentemente não é esta conduta que foi imputada aos réus. Ao contrário, ao criar e gerenciar o grupo de Whatsapp denominado “Patriotas Cafelândia”, os réus praticaram atos de boicote contra comerciantes e profissionais liberais da cidade, em razão de supostas divergências político-ideológicas entre os envolvidos. Boicote, exatamente ao contrário de perseguir, significa isolar, marginalizar, excluir determinada pessoa de relações sociais e
econômicas”, afirma o juiz.
O Ministério Público de São Paulo já recorreu da sentença que absolveu os dois acusados.
“Patriotas de Cafelândia”
Na denúncia, o MPSP afirma que Davoine e Edson criaram a “lista de boicote” aos estabelecimentos em um grupo no WhatsApp chamado “Patriotas de Cafelândia”, em outubro de 2022. Os dois teriam divulgado a lista também no Facebook e em folhetos distribuídos fisicamente pela cidade, que tem cerca de 18 mil habitantes.
As vítimas relataram terem sofrido com ameaças e xingamentos. Algumas afirmaram que passaram a ter receio de sair na rua. Também reclamaram de dificuldades financeiras decorrentes da perda de clientes e faturamento baixo atípico para a época do ano.
A dona de um bar afirmou ter sido vítima de um atentado a bomba após a divulgação da lista.
“Chegaram a passar na frente do meu estabelecimento e jogaram uma bomba. Foi uma caminhonete que passou, de cor azul, acho que uma Ranger. A menina que trabalha comigo quem viu e me falou. Eu escutei, corri e vi a bomba no chão. Meu marido também viu”, disse ela em depoimento.
“As vítimas (que ’em sua maioria possuem famílias, filhos pequenos, responsabilidades, contas a pagar’) tiveram sua integridade física e psicológica ameaçadas com a inclusão ilegal de seus nomes na “lista de boicote”, causando temor e sofrimento inclusive em seus amigos e familiares, chegando ao ponto de pessoa ainda não identificada ter arremessado uma bomba contra um estabelecimento comercial”, diz trecho da denúncia.